As malas dos jovens e o silêncio das universidades
- Neriel Lopez
- 23 de mar.
- 3 min de leitura

Era começo de março de 2025 quando o corredor da universidade parecia mais vazio do que nunca. As salas ainda tinham carteiras, quadros, professores. Mas faltavam os estudantes. Ou, pelo menos, faltavam muitos dos que, nos últimos anos, decidiram trocar a incerteza brasileira por promessas de futuro em outros países.
O professor Fabio Luis Pereira de Azevedo, acostumado a turmas cheias de debate, percebeu cedo a diferença. “Há anos vejo meus melhores alunos pedirem cartas de recomendação para mestrados na Europa, doutorados nos Estados Unidos, bolsas na Austrália. O problema não é a busca pelo mundo, que sempre existiu. O problema é que cada vez menos voltam.”
A fuga silenciosa
Dados recentes ajudam a dimensionar a tendência. Em 2023, o número de brasileiros estudando em universidades estrangeiras passou de 90 mil, segundo a Unesco. Os destinos favoritos continuam sendo Estados Unidos, Portugal e Canadá. Em 2024 e 2025, esse fluxo só cresceu, com programas internacionais relatando alta de 15% nas inscrições de brasileiros.
No mesmo período, o Brasil manteve apenas 21% da população de 25 a 34 anos com diploma universitário, contra 43% da média da OCDE. (OCDE, Education at a Glance 2023)
“Formamos poucos, e ainda vemos muitos dos melhores saindo. É como se o país gastasse energia para preparar talentos que depois irão florescer em outro lugar. É um duplo desperdício: de recursos e de futuro”, lamenta Azevedo.
As razões das malas
Os motivos são claros nas conversas de corredor:
Incerteza econômica: juros altos, inflação persistente e baixa inserção dos jovens no mercado de trabalho qualificado.
Precariedade acadêmica: cortes de bolsas de pesquisa, laboratórios sem verba, universidades em crise.
Busca por estabilidade: oportunidades de permanência no exterior, com melhores salários e previsibilidade.
Fabio escuta as histórias com paciência, mas sem resignação. “Um aluno me disse: professor, aqui eu estudo economia, mas não encontro economia na prática, só improviso. Lá fora, sinto que meu esforço é valorizado. Como posso convencer alguém a ficar quando vejo a mesma frustração?”
O custo invisível
Azevedo lembra que cada jovem que sai representa um investimento público ou privado desperdiçado. “Quando um estudante formado em universidade pública vai embora sem voltar, levamos junto anos de recursos aplicados em sua formação. É natural que jovens circulem pelo mundo, mas não pode ser regra que a saída definitiva seja o único caminho de ascensão.”
Segundo a Organização Internacional do Trabalho, em 2024 o desemprego entre jovens brasileiros com ensino superior ultrapassou 13%, o dobro da média nacional.
“Isso é perverso. O país precisa de engenheiros, médicos, cientistas, mas não consegue absorver seus próprios formados. O talento, sem espaço, faz as malas”, resume o professor.
E as universidades?
O professor olha para os campi, ainda cheios de potencial, mas vazios de estratégia. “Nossas universidades precisam se reconectar com a sociedade. Falta diálogo com empresas, políticas públicas de apoio, financiamento estável. Produzimos conhecimento, mas não conseguimos transformá-lo em oportunidades aqui dentro.”
Ele sugere três caminhos urgentes:
Investimento consistente em ciência e inovação, sem oscilação a cada mudança de governo.
Parcerias com o setor produtivo, para transformar pesquisa em emprego e tecnologia aplicada.
Política de atração e retorno de talentos, para que jovens que saem tenham condições de voltar.
Epílogo: o vazio das salas
Ao final da aula, Fabio observa a lista de presença. Metade da turma está ali, a outra metade já pensa em ir embora — não da sala, mas do país. Ele fecha o diário e diz:
“O Brasil não perde apenas cérebros. Perde histórias, sonhos, futuros. Perde a chance de escrever seu próprio destino com a tinta do conhecimento.”
As malas dos jovens continuam se acumulando nos aeroportos. E as universidades, silenciosas, ainda não encontraram resposta para o eco que fica nas salas vazias.












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